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[TFG] Um mosteiro como espaço existencial no território

Ocupar a montanha


O isolamento contemplativo como elemento de aproximação com o sagrado é uma prática comum a diversas manifestações religiosas. O afastamento da sociedade e, por vezes, da cidade, pode ser um catalisador da reflexão no contato entre divino e mundano.
Há, no entanto, diferentes formas através das quais essa interação se materializa. A partir de um recorte específico da Igreja Católica, há, também, particularidades: existem diferentes Ordens, cada qual com suas doutrinas e demandas próprias. Uma das menores e mais singulares é a Ordem dos Cartuxos, cujas origens remontam ao ano de 1084, resistindo até os dias de hoje.
Mesmo com quase um milênio de existência, os Cartuxos mantiveram seus fundamentos essencialmente inalterados e são, ainda, marcados pela rigidez e pelo absoluto isolamento. Essas características se materializam também na espacialidade e na territorialidade de seus mosteiros, cuja arquitetura é uma síntese do constante diálogo entre a solidão e a interdependência de seus membros.

Um conceito importante para os Cartuxos é aquilo que chamam de deserto. Assim é denominado o conjunto entre território e paisagem onde seus mosteiros estão inseridos, quase sempre num ambiente rural e afastado de qualquer ocupação urbana consolidada. Essa inserção tem origem na primeira casa da Ordem, La Grande Chartreuse — inserida, justamente, no deserto de Chartreuse, na França. O mosteiro primordial não só estava implantado no próprio deserto como também procurava estabelecer uma relação muito sensível de proteção e inserção numa topografia bastante acidentada, o que acabou se tornando uma prática comum na construção das novas casas Cartuxas: a busca pela proteção do terreno e sua simbiose com a paisagem do entorno.
Para além do deserto enquanto ideário, ele é também é um espaço efetivamente ocupado pelos monges, que, mensalmente, saem de suas celas para conversar e caminhar pelo entorno do mosteiro. Essa prática, ainda que rara dentro do cotidiano monástico, é importante porque expõe a existência de uma vida em sociedade dos Cartuxos ao mesmo tempo que materializa a ocupação do deserto como um espaço que se confunde com o do próprio mosteiro. Ambos são, afinal, habitados pelos monges — ainda que de formas distintas.
Com base nisso, essa proposta para um mosteiro Cartuxo se propôs a explorar a relação da arquitetura com seu território e sua topografia. Inserida também num ambiente essencialmente rural — na divisa entre os municípios paranaenses de Balsa Nova e Campo Largo —, dentro da Área de Preservação da Escarpa Devoniana — e às margens da própria Escarpa —, a implantação desse projeto buscou se aproximar de uma paisagem bastante singular que pudesse favorecer a busca dos ideais Cartuxos. Ainda que dentro da APA, o projeto atende aos requisitos éticos e legais para sua implementação, que está inserida dentro da Zona Ambiental ZC-11 do zoneamento da Escarpa Devoniana.

A implantação do mosteiro aconteceu, portanto, de forma a tentar acompanhar e fazer parte da topografia existente, sem no entanto, deixar de ressaltar essa arquitetura enquanto um artefato importante na paisagem. Dentro do terreno escolhido — uma propriedade rural, majoritariamente descampada —, a ocupação principal aconteceu num platô a leste da entrada, cuja posição permite que, qualquer volume ali colocado, se revele de forma gradual para quem adentra ao terreno, sem a possibilidade de ser compreendido já a partir da estrada. Aproveitando caminhos internos já existentes no lote, o acesso a esse platô se dá através de um longo trajeto que acompanha de forma sutil a topografia e ascende até chegar à entrada do mosteiro.
A setorização do desse espaço se deu a partir de uma lógica baseada em camadas de isolamento e na transição entre interior e exterior. Junto à entrada estão os usos mais comuns e menos privativos entre os monges — refeitório, biblioteca e oficinas, por exemplo —, cuja circulação é organizada a partir de um pátio central com um espelho d'água. Também com acesso a partir dessa área comum, mas deslocado do volume principal, se encontra a igreja do mosteiro, orientada no sentido oeste—leste, cuja forma se sobressai parcialmente do terreno e marca um volume importante a partir de uma compreensão externa dessa arquitetura.
A leste desse primeiro volume, e conectado a partir de uma extensa circulação que se
abre para a paisagem, estão as celas monásticas organizadas ao redor do claustro  maior — um importante elemento espacial do mosteiro Cartuxo. Para além de organizar a circulação das celas, esse espaço tem um importante caráter de iluminação e contemplação — ainda que, historicamente, não tenha tido usos estabelecidos para além dos simbólicos.
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As celas monásticas são, para os Cartuxos, espaços consideravelmente diferentes quando comparadas a outras Ordens da Igreja Católica. Muito graças ao caráter eremita dos monges, os dormitórios Cartuxos são consideravelmente grandes e abrigam, obrigatoriamente, um jardim externo e um espaço para prática de atividades manuais. Cada monge segue, por regra, um trabalho para o qual tem mais aptidão — seja jardinagem ou marcenaria, por exemplo —, e por isso seus aposentos precisam compreender essa diversidade de usos.
Existe, de fato, uma separação entre os monges Cartuxos: há aqueles que se dedicam mais ao trabalho manual e menos à meditação e à reclusão, sendo chamados de Irmãos. São esses os monges responsáveis pelas atividades manuais do mosteiro — como cozinha e manutenção —, e por isso também costumam utilizar a oficina comum do mosteiro. Por outro lado há os Padres:  monges, da mesma forma que os irmãos, mas que dedicam mais tempo à meditação e à introspecção da cela, sendo que, por esse motivo, as atividades por eles desenvolvidas costumam ser mais
individuais que coletivas.
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Materialmente, esse projeto foi proposto a partir da utilização de paredes autoportantes em concreto ciclópico em conjunto com estruturas independentes em concreto armado. O concreto ciclópico é um material que, para além de ter uma expressividade bastante característica, é baseado num método construtivo muito pouco sofisticado, que permite a utilização de diversos detritos, rochas e restos construtivos em sua composição. Além disso, se materializa como uma possibilidade de aproveitar o potencial da região de extração de arenitos pouco resistentes — que acabam sendo utilizados na construção civil como pedras britas e outros elementos secundários —, sem, no entanto, exigir um refinamento estrutural e construtivo para isso.
A busca pela simplicidade — estrutural e espacial — norteou essa proposta, sem, no entanto, deixar de compreender as possibilidades de fenômenos e de espacialidades que um mosteiro proporciona. A lógica de implantação tentou também se adaptar à topografia sem negar sua existência enquanto artefato construído na paisagem. A construção da matéria enquanto um canal de aproximação com o divino.

Planta térrea
Isométrica
Corte Perspectivado

Igreja
Refeitório

Isométrica cela
Planta celas sul—norte


Elevação 01

Corte
Corte
Claustro
Capela
Corte
Corte
D-01

rendering: @svabrn

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